Vistoria cautelar de vizinhança em massa
03/12/2015Norma Técnica – NOVA NBR 14653-2:2011 EM VIGOR
03/12/2015Por Gisele C. Cichinelli
Engenheiro do Ibape-SP explica como trabalham os peritos de engenharia nos litígios envolvendo construtoras e usuários. Paulo Grandiski – Engenheiro civil pela Epusp e pós-graduado pela Unisanta, foi construtor durante 30 anos. Atua na área de avaliações e perícias em edificações, temas sobre os quais é palestrante e presta consultoria. É membro de várias Comissões de Estudo de normas técnicas da ABNT e do Ibape-SP (Instituto de Avaliações e Perícias de São Paulo). É professor de “Perícias em Edificações” e “Problemas Construtivos” e atua como comoderador de grupo de discussão acessável em http://br.groups.yahoo.com/group/periciaseavaliacoes.
Atender ao disposto das normas técnicas atualizadas em todas as fases da edificação, desde o seu planejamento até a fase de pós-ocupação. Essa é a recomendação número um para que o construtor previna, detecte e, consequentemente, reduza gastos com futuros problemas e necessidades de reparos. De acordo com Paulo Grandiski, perito judicial e membro do Ibape-SP, além do conhecimento pleno das normas técnicas, arquitetos e engenheiros devem se preocupar com a atualização dos conhecimentos técnicos e da mão de obra empregada, por meio de cursos de reciclagem e treinamento, para evitar dores de cabeça com a Justiça. “Arquitetos e engenheiros não são deuses.
São seres humanos e, portanto, falíveis. Mas, como dizia meu professor Lucas Nogueira Garcez, o profissional experiente é aquele que nunca comete os mesmos enganos. Só os novos”, brinca. Experientes ou novatos, o perito também lembra aos construtores que na engenharia, assim como na medicina, não existem “remédios milagrosos” e que soluções inovadoras devem ser testadas sempre em pequena escala, em prédios experimentais (portanto não comercializáveis) e, só quando estiverem definitivamente aprovadas, em larga escala. Nas próximas páginas, Grandiski fala sobre a atuação do perito, a obrigatoriedade das normas e o que muda – e o que pode não mudar – com a NBR 15.575, a Norma de Desempenho, entre outros assuntos.
Qual é a função do perito judicial?
Os peritos judiciais e os assistentes técnicos das partes litigantes de um processo são auxiliares dos juízes e desembargadores, convocados para esclarecer e dirimir os aspectos técnicos controversos envolvidos nos processos judiciais e extrajudiciais. Conforme a Resolução no 345 do Confea (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia), essas atividades são definidas como vistoria, arbitramento, avaliação e perícia. Essa última atividade envolve a apuração das causas que motivaram determinado evento ou da asserção de direitos. Mais recentemente o Ibape-SP criou uma subcategoria que fica entre a vistoria e a perícia, denominada inspeção predial, utilizada tanto para recebimento de obras recém-construídas (recebimento de áreas comuns ou privativas de condomínios, por exemplo), como para liberação de obras já existentes, visando examinar seu estado de manutenção e aspectos envolvendo sua solidez e segurança (manutenção das edificações, liberação de uso para estádios de futebol, teatros e cinemas, por exemplo).
São os peritos que condenam ou absolvem as construtoras quanto às falhas construtivas constatadas?
Em princípio os peritos examinam os problemas relatados nos autos do processo, esclarecendo os aspectos técnicos envolvidos, que são relatados em seus laudos e que também devem responder aos quesitos apresentados pelas partes litigantes, pelo juiz ou pelos representantes do Ministério Público. Nos laudos costumam ser citadas as eventuais normas técnicas desobedecidas, as falhas de execução constatadas, eventuais casos de mau uso por parte dos usuários, a desobediência das instruções contidas no Manual do Proprietário (quanto às partes privativas) e do Manual do Síndico (quanto às partes de uso comum dos condomínios) ou até a existência de interferências de terceiros, dando argumentos técnicos fundamentados aos patronos das partes e para o juiz que conduzirão à condenação ou absolvição da construtora-ré. O poder de decisão final não cabe aos peritos. Eles apenas apresentam argumentos técnicos pertinentes. Na realidade, é o juiz que, após examinar todas as argumentações constantes dos autos, tanto técnicas como jurídicas, decide as questões de mérito da lide. Também convém esclarecer que o artigo 436 do Código de Processo Civil diz que “o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos”.
Pelo laudo pericial, é possível precisar com exatidão de quem é a responsabilidade por alguma falha ou defeito executivo?
Conforme a já citada Resolução 345 do Confea nem todos os laudos dizem respeito a perícias, e apenas nessas devem ser identificadas as causas técnicas das falhas construtivas constatadas, que podem ser das mais variadas etiologias, nem sempre citadas em normas técnicas ou na literatura especializada. Frequentemente os peritos se deparam com situações sui-generis, onde a origem da causa é ilógica, mas ocorre. Por exemplo, vazamentos em áreas secas – não impermeabilizadas – de salas de apartamentos podem surgir em andares inferiores, resultantes de reforma, mau uso da unidade (por exemplo, lavagem de tacos com mangueiras de água) ou até por acidentes (como queda de aquários construídos no centro das salas). Os vazamentos de água constatados em banheiros de prédio nem sempre têm origem na unidade imediatamente acima, mas podem se originar em outros andares superiores, não constatáveis nele, em virtude do corrimento de água pelos shafts ou pela parte externa das colunas de água, que atravessam as passagens de furos deixados nas lajes e que não são posteriormente rejuntados.
A perícia é 100% objetiva ou está suscetível a erros?
Nem sempre os peritos judiciais indicam com exatidão a origem da falha construtiva, fatos que costumam ser denunciados pelos assistentes técnicos ou pelos patronos das partes, resultando em pedidos de esclarecimentos ao perito. Se esses esclarecimentos não deixarem a matéria suficientemente esclarecida, o juiz poderá solicitar nova perícia, conforme previsto no artigo 437 do Código de Processo Civil. Além disso, podem ocorrer circunstâncias nas quais o perito constata que, para esclarecer completamente os aspectos técnicos da lide, há necessidade de exames adicionais ou ensaios muito onerosos, mas que a parte reclamante não quer ou não pode bancar, ficando a questão judicial sem conclusões nesses aspectos.
As normas técnicas são de uso obrigatório por parte dos construtores?
O atendimento às normas técnicas é imposto nas relações de consumo pelo disposto no seu artigo 39, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, que textualmente diz: “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes, ou, se normas específicas não existirem, pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) ou outra entidade credenciada pelo Conmetro (Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial)”. Convém esclarecer que o Código de Defesa do Consumidor se declara, em seu artigo 1o, como uma “lei de ordem pública”, sendo, portanto nulas todas as cláusulas contratuais que a contrariem. Sendo assim, todas as desobediências às normas técnicas criam uma presunção de veracidade da procedência das consequências danosas dessas desobediências.
Os construtores não podem se defender?
Os construtores podem se defender argumentando que as falhas constatadas têm outras origens, como a ação de terceiros (como o rebaixamento de lençol freático pela obra vizinha), a ação do próprio consumidor (como falhas de manutenção ou aplicação de sobrecargas muito além das previstas no cálculo estrutural) ou até ações anormais da natureza (como sismos, inundações causadas por chuvas de intensidade anormal não previstas em normas etc.)
As normas são obrigatórias também pelo Código Civil?
Além do CDC, o uso das normas técnicas também é obrigatório por interpretação do disposto nos artigos 615 e 616 do Código Civil e pelo Código de Ética do Confea (de uso obrigatório para engenheiros e arquitetos) e de algumas legislações específicas, como é o caso da NBR 12.721 com relação à lei 4.591 (dos Condomínios e Edificações).
Alguns órgãos como o Conmetro, por meio do Inmetro, dizem que as normas técnicas indicam regras obtidas por consenso e que só se tornam obrigatórias quando citadas em um instrumento do poder público (lei, decreto, portaria, regulamento técnico etc.) ou em contratos. Afinal, elas são de uso obrigatório ou possuem força de lei? Podem ser adotadas em questões judiciais?
O uso das normas técnicas é obrigatório nas relações de consumo para os fornecedores, no nosso caso, para os construtores. No caso do Conmetro, a sua antiga resolução 06/1975 classificava as normas brasileiras em classes que iam da NBR 1 à NBR 4, nem todas de uso compulsório. Acontece que essa classificação foi revogada pelo disposto no item 4 da resolução no 1/1992, não por simples coincidência, logo após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor. Desconhecendo essa revogação, vários livros jurídicos recentes de comentários ao Código ainda citam essas antigas classificações normativas, concluindo erradamente que nem todas as normas são de uso compulsório. Pode-se, portanto, concluir que as normas técnicas são de uso obrigatório, tendo força de lei quando citadas em contratos ou em legislações específicas.
No caso da construção civil, quem é o consumidor final, o morador, o comprador ou o locatário?
O artigo 2o do Código de Defesa do Consumidor, lei 8078, define como consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. No caso da indústria da construção, consumidor seria o comprador que compra o imóvel para nele morar e que, portanto, pode usar suas regras, baseadas na teoria da responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente de culpa, para reclamar das desconformidades eventualmente constatadas, dentro dos prazos de garantia e prescrição legais. A relação entre o incorporador e o comprador, nos casos de compra por investidores – que depois alugam a terceiros – não é considerada como relação de consumo sendo, portanto, regida pelas regras do Código Civil.
O artigo 47 do Código de Defesa diz que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Isso quer dizer que, em caso de litígio, o construtor sai em desvantagem sempre?
O Código de Defesa do Consumidor é um dos mais avançados do mundo, e introduziu vários conceitos inovadores, aplicáveis às relações de consumo. Um deles foi a mudança da aplicação do conceito de responsabilidade subjetiva (teoria da culpa, prevista no artigo 159 do antigo Código Civil) para admitir a aplicação da responsabilidade objetiva (teoria do risco). Outra inovação foi essa introduzida pelo artigo 47, que inverteu a antiga teoria, segundo a qual “em dúvida, decida a favor do réu”. Agora o réu é o vendedor, que rotineiramente tem um contrato padrão de venda, elaborado pelos melhores advogados. Havendo dúvidas nas interpretações dessas cláusulas contratuais, elas devem ser interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor, mas este não pode agir de má-fé. Uma das regras básicas do Código Civil Brasileiro é a presunção de probidade e boa-fé pelas partes contratantes. As relações entre um investidor (que contrata a construção para depois vender a terceiros) e um construtor não são de consumo e, portanto a elas não se aplica o artigo 47 do CDC, mas sim as disposições do Código Civil.
Há uma hierarquia de normas a ser seguida nas relações de consumo?
Nas relações de consumo, o inciso VIII do artigo 39 do CDC estabelece uma regra de hierarquia entre regulamentos técnicos e normas técnicas. Em princípio, aplicam-se as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes, que, no caso brasileiro, equivalem aos regulamentos técnicos emitivos pelos conselhos criados por força de lei federal, tais como o Conmetro (Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), entre outros. Se inexistirem esses regulamentos técnicos, aplicam-se as normas emitidas pela ABNT, que foi designada pelo Conmetro como “Foro Nacional de Normalização” (pela resolução no 7, de 24/08/1992). E se também inexistirem normas da ABNT, esse inciso VIII do artigo 39 do CDC indica o atendimento às normas internacionais de entidades credenciadas pelo Conmetro, tais como as normas emitidas por entidades como a ISO, DIN, Afnor, IEC, ACI etc.
Que responsabilidades o construtor assume pelo produto que será entregue ao consumidor final?
Engenheiros e arquitetos “venderam” para a sociedade o conceito de que nossa ciência é exata. E nós sabemos que ela não é. Por isso existe uma premissa de que o comprador que pagou o valor pleiteado pelo construtor deve receber em troca um produto perfeito, totalmente sem falhas quer de projeto, quer de execução. Com base nessa falsa premissa, os compradores costumam reclamar de todas as falhas constatadas, até das fissuras ou trincas pré-planejadas, sejam elas as juntas de dilatação entre blocos de construção, ou os wks admitidos a priori pelos calculistas para reduzir o custo das estruturas. O atendimento às normas técnicas dá uma diretriz básica das exigências mínimas que deveriam ser atendidas pelos construtores e que podem fundamentar as reclamações procedentes dos compradores.
No recente seminário sobre “Patologias da construção”, da PINI, sua palestra tinha o título: “Evite deixar a impressão digital no local do crime”. Isso quer dizer que o crime pode ser cometido, mas não identificado?
No início da minha palestra apresentei a definição de “crime” do Novo Aurélio: “ato condenável de consequências funestas ou desagradáveis”. Essa definição, combinada com a obrigatoriedade legal do uso das normas técnicas, conduziu ao título jocoso da palestra que continha uma mensagem de advertência aos construtores: obedeçam às normas técnicas, pois sua desobe¬diência, por regra, deixa a impressão digital no local do crime, permitindo a identificação do autor muitos anos depois da execução da obra, ou seja, do cometimento do crime. Caso típico é a desobediência ao cobrimento mínimo do aço de 25 mm nas lajes das estruturas (nos pilares e vigas o cobrimento mínimo é de 30 mm) nas obras urbanas (classe de agressividade ambiental CAA-II – áreas urbanas) que só será descoberto pelos compradores muitos anos depois, quando essa espessura de concreto carbonatar e permitir a oxidação da ferragem, surgindo fissuras e trincas visíveis a olho nu.
Ao longo da sua carreira como perito, quais têm sido as queixas mais frequentes dos condôminos em relação aos construtores? Dá para identificar algum ponto nevrálgico nessa relação?
Reclamações quanto à estanqueidade dos vários sistemas da obra são as mais comuns, seja em relação às impermeabilizações das lajes ou quanto ao sistema de revestimento das fachadas, inclusive pinturas, cuja vida útil varia de três a cinco anos devendo haver sua manutenção dentro desse período. Problemas de destacamento de revestimentos das fachadas, paredes e pisos são também muito comuns, bem como as reclamações quanto a fissuras, trincas e recalques diferenciais.
Muitas patologias foram identificadas com a introdução do revestimento de camada única, embora fosse reconhecido tecnicamente. Nas situações em que um material, mesmo normalizado, apresenta baixo desempenho apesar de ter sido corretamente executado, qual o melhor caminho para o construtor ao lidar com litígios?
Entre as várias inovações trazidas pelo Código de Defesa, está a aplicação do conceito de responsabilidade independentemente da existência de culpa, bastando ao reclamante mostrar a existência do dano e o respectivo nexo de causalidade. Quem construiu tem o dever de entregar uma obra com desempenho satisfatório. Assim sendo, nos casos citados na pergunta o melhor caminho é evitar o litígio, fazendo um acordo com o reclamante, que pode até implicar o refazimento do trabalho.
Como o construtor pode cercar-se de garantias com relação a seus fornecedores?
A melhor atitude é aplicar aos seus fornecedores a mesma regra a que estão sujeitas as construtoras: exigir deles o atendimento das normas técnicas mais atualizadas e obter prazos que atendam aos novos prazos de garantia a que os construtores estão sujeitos, conforme disposto na NBR 15.575-1 (norma-mãe de desempenho).
A NBR 15.575 será um referencial mais objetivo para as análises dos peritos?
Até agora, no Brasil, só tínhamos normas técnicas prescritivas que não citavam, em nenhum momento, os prazos de garantia da construção, de seus sistemas e componentes. O único prazo que existia era o prazo de garantia estabelecido no atual artigo 618 do Novo Código Civil, que dizia que o empreiteiro (construtor) “responderá durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”. Durante muitos anos esse prazo foi considerado como prazo geral de garantia da construção civil. Com a entrada em vigor em novembro de 2010 das normas de desempenho, finalmente teremos uma relação não exaustiva de prazos de garantia que, apesar de constarem de anexo informativo, na prática devem ser adotados como prazos referenciais de garantia por serem os únicos constantes em normas.
O que mudou efetivamente no conceito de prazo de garantia?
A definição que consta nessa norma diz no item 3.24 da Parte 1 que prazo de garantia é “período de tempo em que é elevada a probabilidade de que even¬tuais vícios ou defeitos em um sistema, em estado de novo, venham a se manifestar, decorrentes de anomalias que repercutam em desempenho inferior àquele previsto”. Como coautor desse texto, na versão original, afirmo que mesmo encerrado o prazo de garantia constante da norma o consumidor poderá reclamar da falha constatada, mas com uma sutil diferença: dentro do prazo de garantia, presume-se a culpa do construtor; depois, muda o ônus da prova, cabendo ao consumidor provar que a falha já existia “desde a origem”, ou seja, desde a época da construção, mas só se manifestou agora.
Será possível eliminar subjetividades de interpretação com esse novo texto?
As seis partes da NBR 15.575 constituem um novo texto, bastante extenso, que esclarece de forma adequada boa parte dos critérios de desempenho a serem adotados, mas já existem dúvidas sobre alguns deles, mesmo antes da sua entrada em vigor. Novas dúvidas devem surgir com a sua aplicação na prática. Os critérios de subjetividade de interpretação da norma devem diminuir, mas não estarão eliminados.
Construtores já vêm identificando uma série de exigências da nova norma impossíveis de cumprir, resultando, até agora, em 50 emendas. Por exemplo, sabe-se que a questão acústica é muito crítica, e somente com portas e esquadrias de qualidade muito superior poderão garantir a isolação preconizada na norma. O senhor acredita num relaxamento da norma de desempenho?
Não existem exigências na nova norma impossíveis de cumprir. Melhor seria dizer de difícil atendimento, tendo em vista seu custo e os usos e costumes que vinham sendo empregados até agora. As exigências introduzidas na norma ainda estão muito longe dos padrões internacionais adotados em países mais avançados. Apenas para exemplificar: a vida útil prevista para as estruturas nas normas internacionais é de 60 anos, período que foi reduzido, num primeiro momento, para 40 anos na atual norma de desempenho. Acredito que haverá um “afrouxamento” de algumas exigências desta norma, existindo precedentes significativos, como o ocorrido com a NBR 6118 (projeto de estruturas), que sofreu mais de 100 correções durante o seu prazo de carência de um ano e antes da sua efetiva entrada em vigor. Além disso, não se pode desprezar o poder do “lobby” dos construtores. Eles conseguiram alterar, por exemplo, a redação do artigo 1331, parágrafo 3o do novo Código Civil, que continha uma regra explícita da forma de cálculo das frações ideais no terreno e demais partes comuns dos edifícios em condomínio. Essa regra “desapareceu” cerca de 18 meses depois de sua entrada em vigor, com um artigo “enxertado” na Lei do Patrimônio de Afetação.
É possível que, num futuro próximo, ao vigorar a norma de desempenho, os construtores possam se eximir de culpa justificando uma severidade fora dos padrões brasileiros quanto ao desempenho dos sistemas?
Será mais fácil – e muito mais provável – que as normas sejam alteradas antes da sua efetiva entrada em vigor. Do ponto de vista estritamente jurídico, e, mantidos os atuais textos legais, não acredito que os construtores possam se eximir da culpa, justificando essa “severidade” quanto aos desempenhos normativos exigidos.
Por quê?
O Código de Defesa do Consumidor trouxe o conceito de “responsabilidade independentemente de culpa” aplicável explicitamente aos defeitos construtivos, citados na sua seção II, e não explicitados para os vícios construtivos citados na seção III, mas que a jurisprudência dos últimos 20 anos se incumbiu de aplicar também a esses vícios. Nas relações regidas pelo Código Civil essa “responsabilidade independentemente de culpa” está agora explicitada no parágrafo único do artigo 927, que diz: “aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. A maioria dos doutrinadores tem interpretado que a indústria da construção civil está dentro das atividades citadas nesse parágrafo único.
Pelo Código de Defesa, vícios e defeitos não são palavras sinônimas então?
A maioria dos livros jurídicos não consegue distinguir claramente essas palavras como quer o Código de Defesa do Consumidor. Aprendi com o doutor Brito Filomeno, secretário da Comissão de Juristas que redigiu o CDC, que as falhas construtivas comuns constituem os vícios construtivos citados na seção III do CDC. Os “defeitos” citados na seção II do CDC são também falhas construtivas, mas de um tipo especial, que afeta – ou ameaça afetar – a segurança do consumidor, cujo principal componente é a sua saúde.
Revista Téchne – Editora Pini